quarta-feira, julho 06, 2011

não podes ser infeliz uma vida inteira


não há espaço para tanta desesperança.
a náusea, o desperdício de viver. 

se for preciso, faz a reciclagem da alma,
como quem oferece aos dias baços uma luz
cheia de nada, tenta apenas. 

não podes ser infeliz uma vida inteira
porque o sol nasce todos os dias. 

não faças da noite uma insónia permanente
porque a vida também dorme.



o sono e o sonho 
e o silêncio ao fim da noite.


sexta-feira, junho 17, 2011

por favor,

não digam que não vale a pena chorar.

porque ninguém chora por valer a pena.
chora-se porque é preciso.
e porque às vezes a razão não chega para entender a vida que doí,
a vida que se acredita valer a pena.

não digam que não vale a pena chorar
se nunca choraram de olhos abertos.
se nunca sentiram que chorar é inútil, e que é por ser inútil que vale a pena.




terça-feira, junho 14, 2011

da arquitectura dos sonhos



ou de quem antecipa as palavras
às tuas palavras


não sei se deambule pela geometria dos sonhos (apenas sonhos)
ou se fale do presente, aquele presente que oferecemos um ao outro
e que não pertence a ninguém. nem aos sonhos.


sonhamos com as duas mãos
e agarramos o presente com o sol que se põe


é simples.


não fechamos os olhos à noite,
para não tropeçar na madrugada que se faz sempre mais cedo.
mais cedo ou mais tarde,
porque o tempo é incerto.


amar-te é simples
sabes porquê?


porque não é preciso saber.
basta ser eu e seres tu,
sermos os sonhos que oferecemos ao presente,
todos os dias.


e todos os dias dizer-te:
- até amanhã :)




terça-feira, maio 24, 2011

semelhanças esdrúxulas

Todas as discussões são
Ridículas.
Não seriam discussões se não fossem
Ridículas.


As discussões, se há razões,
Têm de ser
Ridículas.


Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca discutiram
É que são
Ridículas.


A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas discussões
É que são
Ridículas.


(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)





quinta-feira, maio 19, 2011

santa hipocrisia


passo o pleonasmo, porque na verdade toda a hipocrisia é santa. intocável e venerada pela estupidez que a consente. 
pessoas que acreditam muito puramente na inviolabilidade de todo e qualquer valor, oferecido, emprestado ou inventado. alimentam a alma de absolutos. e vivem felizes num mundo que só tolera o egocentrismo de quem o sabe pensar. 
um mundo que não aceita a mentira como conceito provável, porque personifica ele próprio a ausência plena de qualquer rasto de verdade.





sexta-feira, maio 13, 2011

osmose com reforço posterior


há decisões não fáceis. (quer eu queira quer não queira). os dilemas surgem quando a escolha é entre duas coisas boas, ou mais frequentemente, entre duas coisas menos boas. só a olhos distantes é que a incerteza se dissolve preto no branco. concentrados de certezas e tristezas vs alegrias, frustração vs satisfação. na vida real e presente, é tudo mais cinzento. mesmo quando tudo corre bem, raramente deixa de ser cinzento. 

ao contrário da medicina, na vida não há meios auxiliares de diagnóstico. mas há doenças, e há curas. só não se perde tempo nem dinheiro à espera de medir o não medível. parece que ainda não há TC's para a dor. a esperança não tem ecos nem reforço posterior. e muitas vezes a depressão vem acompanhada por cone de sombra.

há quem acredite que o altruísmo só pode ser egoísta. um egoísmo feliz é já um altruísmo concreto.

quer eu queira, quer não queira, a alegria como a dor penetram as vidas por osmose. inevitável.

quer eu queira, quer não queira, mas posso (sempre!) querer.

sábado, abril 30, 2011

boneca de trapos (o sonho)

frágil e de trapos. pela mão, uma e outra vez.
mais uma vez,
hoje ainda não, hoje ainda quero sonhar mais um pouco

sem razão, os sonhos mais perfeitos. pois a razão dilui a perfeição das coisas sonhadas.
a razão concentra a realidade do que vale a pena.
(mas os sonhos não valem a pena)

hoje ainda não. hoje preciso de sonhar mais um pouco.
como quem dorme a lógica das vidas e acorda mais leve.
mais leve por não saber que há quem não possa sonhar. quem escolha viver os trapos em toda uma vida.

apagou a luz mas continuou a sorrir. e no fim de todos os sonhos, adormeceu o corpo frágil.
apagou a luz mas continuou a viver. a história inútil do amor.





domingo, abril 10, 2011

plasmaferese de domingo à tarde

ou a constatação da mentira vendida pelo tempo de boca-em-boca. Daquelas mentiras que incham a alma com a certeza de que tudo vale a pena.

É que mesmo quando a alma é maior do que tudo, nem sempre é a conversar que a gente se entende. Se assim fosse, o silêncio não passava de uma inutilidade barata, destituida de sentido, manifestando a desvontade da compreensão e empatia.

Mas não é verdade, porque as palavras são apenas uma reduzida parcela da comunicação.
Há muita coisa que não se ouve e faz barulho. E não se chama silêncio.




domingo, fevereiro 27, 2011

óleo e carvão (II)

E essa vida que trazes, guerreira, junto ao peito. o ventre sagrado e as mãos fissuradas, a voz quente e sábia. transpiras, sofrida, a história que guardas para os teus, entre lágrimas e silêncios.  és lúcida e transparente. 

(Quero dizer-te,
- nesta eterna demanda, o teu sorriso terno, finito, não é apenas necessário. é condição essencial)

E esses contornos densos, estas palavras, pele espessa e delicada, coração cheio, inquieto. Desenho como quem ama

(preciso que o teu sorriso exista)



óleo e carvão (I)


e os traços no papel, as manchas de calor e timidez. pele sulcada e olhar suspenso, inquieto,  à procura de um horizonte seguro onde ancorar as certezas mais débeis e intermitentes
 - quero-te bem. 

 A vida ensina a sofrer mas não ensina a amar, ouvi-te dizer. quiseram vender-te livros com instruções erradas e por isso nunca soubeste em quem confiar. não sabes ainda. posso dizer-te que a lógica nem sempre tem razão? que podes confiar e saber depois
quero-te bem.  

E o teu humor oscila com um ritmo próprio que nem tu sabes entender. nunca soubeste (aquilo que esqueceste de me ensinar). sei-te distante enquanto desenho o teu rosto em dias de sol. mas é o calor das palavras quem escreve. é o calor das histórias nas memórias que serão amanhã a dizer
(quero-te bem)  



sexta-feira, fevereiro 18, 2011

chávena de café (gramáticas)


eufemismo do cansaço, dos dias maiores do que o tempo que trazem dentro.
perífrase do prazer das coisas banais de um quotidiano qualquer.
metáfora do combate entre corpo e manhãs de hiperssónia. 

a personificar pacotes de existência,
(como quem dissolve os acasos de vidas áridas e reticentes do que é preciso)

bebo (contigo) o café finito de uma chávena gratuita.


quarta-feira, fevereiro 09, 2011

domingo, fevereiro 06, 2011

águas furtadas


como as palavras que roubamos à consciência dos dias menos fáceis. aqueles dias cinzentos, nos quais não apetece existir como se vivêssemos. emprestamos tempo ao que é eterno e esperamos que, de preferência, nos devolvam em felicidade já amanhã. 
Amanhã, tenho a certeza, vamos sempre querer ser felizes. 

E no que diz respeito à felicidade, temos sempre muito a agradecer àqueles que não nos fazem as vontades de ânimo leve. aqueles seres insensíveis que subtraem o prazer imediato à capacidade de criar quando não existe mais nada para acreditar ou esperar. são estes os mestres a quem mais tarde vamos beber a paixão pela vida e o ódio pela anorexia de existir. pela emese de ir passando pelas noites e pelos dias.

Ou as águas furtadas à mágoa dos pretéritos imperfeitos. porque nunca é fácil abrir o sotão das coisas que fizemos em vão, que sofremos em vão, que fizemos sofrer sem sentir para quê. dos sentidos inacabados. dos sonhos impossíveis. É bem menos difícil partilhar a varanda aberta ao sol dos dias prováveis ou passados perfeitos. 

Mas no fim de tudo subtraido à solidão da consciência, percebemos que não pode haver mais chão para cair. não pode haver mais sonhos não possíveis. não podemos não ser quem somos. não podemos não ser quem queremos ser. 

As águas furtadas à felicidade são sempre finitas




segunda-feira, janeiro 24, 2011

inspiração e disciplina


mais do que uma dádiva para alguns ou um bem essencial para outros, a inspiração impõe-se como uma ferramenta de trabalho essencial e acessível a todos. 

porque se torna difícil dar o nosso melhor quando não inspiramos a essência das coisas que fazemos. aspirar mecanismos e conceitos às vezes até é preciso, mas não é suficiente. não basta que a respiração de um ser inteligente se limite à utilidade nata ou adquirida daquilo que surge ou acontece.

aparentemente incompatíveis, inspiração e disciplina complementam-se de uma forma fascinante e eficaz. se por um lado a disciplina oferece método à inspiração, diminuindo a entropia natural que lhe está associada. por outro lado a inspiração alimenta e substancia a disciplina, impedindo que esta se torne desgastante. 

até porque disciplinar é bem mais do que dividir os dias com régua e esquadro.



domingo, janeiro 23, 2011

boneca de trapos

Como quem conduz pela mão os sonhos desenhados com a lã de um novelo inventado.  frágil e para sempre, sorri sem ser preciso. porque não são precisas razões para sorrir quando as mãos guiam a inutilidade de ser. Apenas ser. 

E do outro lado da vida, outros carregam com a dureza de quem nunca aprendeu a amar, a velhice dos que se veêm trapos num tempo que já não é o seu. a lã torna-se pesada e incapaz de sulcar ânimo nas rugas lavadas de utilidades nulas. 

Paradoxo este, o de ser boneca e ser de trapo. ter sonhos com prazo de validade. emprestar a alma ao vazio  para dividir o oxigénio apenas com a solidão. E morrer asfixiado com a própria expiração dos dias. 



quinta-feira, janeiro 13, 2011

vontade


de ser mais simples do que a vida.
maior do que qualquer escotoma ou penumbra.
de chorar porque é preciso. sobreviver,
e gritar para amortecer os estilhaços internos.


em vez de desistir,
ser feliz sem precisar de pedir desculpas por isso.